quarta-feira, 15 de abril de 2015

SEM CURA


Já estive em hospitais
para ser curado de severas
doenças físicas

– e sei que existem os que
Buscam (ou são levado) curar-se
também da mente
despadronizada –,

já frequentei igrejas e cultos
para ser curado de meus vazios intrínsecos
e para que me libertasse de
fantasmas sombrios.

Não obstante
– e não há nenhum lugar exterior
para me ajudar em tal
prodígio –,

aprofundei-me em tentar
curar-me de mim,
dessas imensidades dissimuladas
que a todo momento surgem
de mim;

e sempre me deparei
com os mesmos precipícios vazios,
nos quais percebo que o tudo que há
está espuriamente mudado
e condicionado
a mim.

ROTINAS



Toalhas às mesas,
café, almoço, jantar, burundangas
todos os dias,
amores e fulgores às aos jardins,
aos sonhos e às camas que,
um dia, estarão vazios;

crianças que brincam,
que crescem,
que viram homens a pensarem
no que sempre dá
em nada,

mulheres – e homens também –
que se enfeitam diante dos espelhos
para depois o sacrilejarem,
como se ele fosse o culpado
pelas profundas falésias abertas no corpo
e pelo o correr inexorável
do tempo.

Em se falando dessa estranheza
inventada pelos homens – o tempo –,
o passado é fatalmente
morto,

o presente nunca é vivido
à plenitudes de nossos anseios, crenças
e esperanças;

e ambos estão condenados
em um porvir – o mais abstrato
de tudo que se possa –
inexoravelmente inexistente.

Voltando ao que chamam vida,
com sua rotinas que se nos passam
como se nem nos notássemos
a caminho do apagamento,

ela mais parece
uma causalidade a brincar conosco,
permitindo que tenhamos
poderes idílicos,

para nos tomar de volta
no engano da mais elevada e sublime
de nossas criações

O VENTRE DO MENSAGEIRO


...  quando cheguei

[estava eu
com uma vontade terrível,
avidíssima, por aquela esplêndida
e singular luz],

esperava-me ela
com um belo sorriso nos  lábios,
com os braços e o coração
abertos

e com sua morada
ofertada, quase que incondicionalmente,
a minhas sencientes e faustas
vontades:

nem suspeitava
que eu carregava uma noite que nos seria
tão avassaladoramente
obscura,

que jamais
nos seria possível ver suas
sombras se porem.

A RESPOSTA (E A SOLUÇÃO) ESTÁ DENTRO DE SI


“Por que as coisas
parecem nunca dar certo,
se nunca desisti  de nenhuma peleja
nesta vida,

e mesmo assim,
apesar de todas as barreiras que surgem,
sempre segui caminhando
Thor Menkent?”

“Sim, querida,
mas talvez a resposta não está
no caminhar,

mas em fazê-lo
de pés nus, com as escolhas certas
e, sobretudo, com o coração
e a alma leves.”

NAVEGANTES


... viagens
e navegações de cabotagem;

ao caminho,
vertigens, fantasias e insânias:

é o sapiens,
sempre no caminho certo

rumo a seus iluminados
precipícios.

VIRGINDADE


... era minha primeira vez,
lembro-me:

entardecido,
já nos meados de meus
vinte e dois.

Acho que
foi a única vez que o sublime superou
o prazer dado por uma
boceta:

vibrei-me
com cada átomo (em cada abraço,
em cada beijo, em cada
pensamento)

amei
com cada  fragmento de muitos
mundos e de muitos
tempos

e, como se adivinhasse
que jamais me haveria novamente
algo tão puro, belo
e perfeito,

eternizei-nos
na indizível pureza daquele
momento.

ENTRELINHAS



... talvez
a única coisa que agora
me separe da completa insanidade,
neste aridíssimo e solitário
deserto,

seja essas
mal traçadas poesias,
onde me escorro em obscuros
absurdos,

ora destruindo
mundos, ora os recriando à minha mercê;
ora atuando como purista soberbo,
ora me libidinando (camuflado)
com demônios:

na maioria das vezes,
no entanto, dissimulando tudo isso
com minhas sencientes, faustas
e espúrias iluminuras.

PREVISÃO DO TEMPO SAPIENS



Fantasias e razões fragmentadas,
imagens e devaneios esfogueados,
carnes, morros e vulvas excitadas,

concupiscências em esfregadas e gozadas,
dissimulações com sublimes máscaras;
asas de águia inválidas,

fulcros de inverno esquálidos,
almas em estilhaços destroçadas,
ventos e chuvas agitados e descontrolados,

pensamentos e perdimentos vagos,
frios e falésias assentadas,
mortes iminentes a serem consumadas.

TESOUROS


Os três pequenos
templos que ainda sequer conhecem
as laivas margens dos sapiens
erros:

o pincel,
a pintura e o sonho;
o muito mais que o vento, a música
e o verso.

Ao niilista,
por motivos desconhecidos,
pousados como filhos
 amados:

Marília, Anabelle e João
de Deus.

QUE TRISTE


... nem sempre
podemos estar juntos,

a percorrermos
os mesmos mares, os mesmos céus
e os mesmos espaços
angulados;

a desfrutarmos
as mesmas noites, as mesmas melodias
e os mesmos sublimes
conjuntos;

a, sequer sobre espinhos
e pedras, dividimos esse estranho
e alucinado amor
solidário.

MENTES, BOCAS E CLOACAS


... não, não é
porque eu seja um soberbo
e emputecido cão
niilista,

nem é porque
eu seja um (reinventado)
demônio apocalíptico
de merda:

essas senciências
alucinadas em nossas mentes
e essas luminescências, que semeamos
com sonoras vocais,

é que são  a fonte
de todo pseudogigantismo inaugurado
e de toda margem por nós
estourada,

assim como das ruminâncias
de nossas próprias e púmbleas raspas,
quando nos despencamos
de nossos céus
inaugurados.

LODOSO REFLUXO


... queria descobrir
o segredo para não me dar mais com vermes,
nem com formigas, nem com ratos
infestados,

 – nem com heróis,
nem com mitos, nem com sublimes
anjos esfomeados –:

sim, queria descobrir
o segredo para (sendo um deles) passar-me,
pelos sapiens, com passos
escamoteados.

FLORESTA EM CINZAS


... mais uma vez
em chuvas,

não suportaram
– os incautos e variáveis amantes –

a nova queda que tiveram
de seu largo,

variável e mutilado
céu.

ESTUPRO


... e surgiu o homem,

e dele nasceu
tudo (e todo) o mais,

em possíveis
concretizados ou em impossíveis
imaginados:

e com ele morreu
–  de todas as coisas –  toda a sublime
e virgem originalidade.

FENDAS PRÓPRIAS


... quando o amor
próprio se perde entre asas, morros
curvas e buracos, que vivem
a desfilar  por aí,

é sinal de que
até os mais nobres néons circulares
foram seriamente
afetados

pelas quase
imperceptíveis obscuridades, que habitam
o estranho e variável fulcro
do Ser.

PÁLIDAS MEMÓRIAS


... após o período inicial,
em que navegaram mares distantes
e cavalgaram ventos
uivantes,

surgiram chuvas e insânias
que impediram, ma grande maioria das vezes,
qualquer coisa que lhes
fosse sublime:

não era mais possível
sequer ouvir  algum som de asas em voo
ou o clique de alguma lanterna
ligada na escuridão.

REGRESSAR À NORMALIDADE


... da imensidade
esquecida, do fogo quase apagado,
dessa quase inapagável
rotina maldita.

Sim,  regressar
– como as magníficas ondas –
ao grandes e vivos
mares;

calmamente,
percorrendo todo o mapa
com suas flores
e pedras:

e somente aí,
neste ponto ter a certeza absoluta para
–  em um sincero  “eu te amo” –
se declarar.

GERMINA


... do nada,
fez-se a nova abnomalia
originária:

e tudo
se tornou (do) sapiens.

ALÉM DE TARDE PERDIDA DE UMA DOMINGO


... a mente
entorpecida pela cerveja,
pelo vinho e (das coisas)  pela
incompreensão;

o corpo
encurvado,  já quase prostrado,
ao ressequido
chão;

ao cd-player da sala,
Tchaikovsky toca  algo que, há muito,
já não distingo muito
bem;

a alma
vigora antes de tudo isso
– lidando com sonhos, esperanças
e quedas constantes –


ao mesmo tempo
em que sempre se perde em meio
aos tantos e longos
desvãos.

RENOVAR



... é tempo
de se apagarem (definitivamente)
as luminescências
artificiais,

para tentarmos
nos renascer, separadamente,
em uma nova e sublime
imensidão.

O MAIS SUBLIME AMOR


... mãe,
que houve,
mesmo depois de tanto tempo,
que ainda não consigo
entender  bem;

mãe,
onde estás, que não vens mais
nem nos dias de páscoa, nem nos natais
onde todos estávamos sempre
presentes;

mãe,
que houve com meu porto seguro
quando sentia teu acolhedor
abraço;

mãe,
onde estão meus irmãos amados,
que se uniam em torno
de tua força

e, sobretudo,
de teu imenso e incondicional
amor;

mãe...
ainda podes me ouvir, mãe?

RUÍDOS


... aos doze eu já
lia além da cartilha dada pelos obesos
professores;

aos dezoito
já me batia com Nietzsche, Shopenhauer,
Newton e Einstein;

um pouco depois,
começava por mim mesmo a perscrutar
os segredos do universo refeito
pelo sapiens;

hoje,
 estou me transformando

–  tal como eu sempre
previra e, dos outros, sempre evidenciara,
às fatais e inexoráveis quedas
em suas próprias
épocas –,

de tudo isso,
em resíduos tóxicos e reminiscentes
coleções de vazios
e destroços.

MISTÉRIO



... dei-te uma face
e a negaste;

dei-te outra face,
e outra, e outra, e também
as negaste;

então,
dei-te minhas máscaras
às quais, com intenso fulgor,
amaste.

RIOS VAZIOS


... se tanto tempo juntos,
ainda não foi suficientes para que
sentisses o quanto
gostei de ti;

torça-se para que
não o sintas tarde demais, quando se nos reinar
uma inexorável e silente
distância.

RESIDÊNCIA


... aqui, infelizmente,
 é minha casa; não, não entre
essas paredes
que vedes:

aqui ,
onde nasce o sol,
onde cai a chuva,
onde venta o vento,

onde o sapiens
a tudo semeia e modifica  de acordo
com seu  maldito
intento.

DE MALAS PRONTAS


Deixo
verbos espingardeiros,
espinhos suspeitos e sombras
rasteiras.

Deixo
a bola e o campinho nosso de todo dia,
e as merdas das tarefas
de casa.

Deixo
seus sonhos (dela) às asas
e seu sinuoso corpo aos paus duros
de outros pássaros.

Levo comigo, enterrada,
– entre multidões de vazios e nadas –
a eternidade de um sublime
amor,

que outrora ela perjurou
ao meu lado.

INSUPORTÁVEL


... e chove:
todo dia chove;

e chovem:
todo dia chovem;

e nunca vi
chover como eu.

CAMINHOS



... embora
a reta seja o caminho mais  curto
entre dois pontos;

às vezes,
é conveniente (e até necessário)
percorrer as curvas.

DESCONTROLADOS



... há espíritos
soltos pelas ruas e praças.

Sim, espíritos
de lobos, de cobras, de porcos
a andarem por aí tentando
domesticar as luzes:

e os homens,
e as mulheres, e os filhos deles vagam
para cá e para lá com suas
sencientes lanternas
ligadas.

Exato, e os piores lobos,
e os piores porcos, e as piores cobras
são os homens, e as mulheres
e seus filhos,

reunidos
nesse ambiente todo fosfóreo,
onde compartilham destas
mesmas fossilizadas
luzes.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

COVARDES


Nós,
os sapiens,

lembramo-nos
das tremeluzências das celebrações santas
e  dos sublimes quartos puristas,
por onde nos andamos
todos os dias,

e nos esquecemos
das sombras das ruelas e dos prostíbulos,
por onde nos andamos
todos os dias;

sempre que
somos invocados a  falar, a nos posicionar
ou a nos defender de qualquer
coisa que

– perante nossos irmãos –

nos evidencie ou nos
complique.

SOBREVIVENTE


Sim,  exatamente:
sobrevivi, por enquanto,
a todo tipo de coisa
e de coisas

que se floriram
que se jogaram,
que se pregaram
à larga estrada;

mas  sobretudo
a minhas próprias atuações mundanas,
a minhas próprias variabilidades
humanas

e a minhas próprias
e quase irresistíveis vontades insanas
de, a tudo,  apagado
me tornar

imagem Joel-peter
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OS BRUTOS TAMBÉM CHORAM


... por exemplo,
noite passada padeci a madrugada toda
por um louco amor
ausente

– e até chorei –,

embora tenha
a plena noção de que daquela
tremeluzente e vocálica
estória,

sempre fora eu
a tingir de negro a dissimulada
nuvem.

CONTRAVENTO


... ao sítio,
ao descascar uma laranja,
sozinho ali naquela
planície,

pensava
na grande merda que é
o que chamam
vida:

tantas idealizações,
tantas fantasiações e tantas esperanças
construídas arduamente
durante o caminho,

para tudo, tudo
se acabar assim: apodrecendo à terra,
como essas cascas
anídricas.

NÃO PISE A SOMBRA



Por favor,
tenha um pouco mais de cuidado
com essa vocálica lanterna
de néon

que tens apontado
contra minha face,  minhas máscaras
e minha alma, nobilíssima
puritana,

ou não te ensinaram ainda
que ela pode se apagar na primeira pedra afiada,
na primeira encruzilhada
fechada

ou no primeiro
pau sapiens excitado que encontrares
por caminhos, onde ela venha
a falhar?

INSCRITOS NO ABISMO


... o tempo
passou pesado demais
para nós dois

[ou será que,
com a força de nossas mentes dementes,
fomos nós que fizemos
tudo isso?]:

deixou-me
secando e me arrastando ao solitário,
frio e angustiante
deserto

com os pulmões
machucados, com o tendão de Aquiles
estourado, e com a alma
esvaziada;

e a ti deixou
[impiedosamente] à beira do último
e definitivo naufrágio.

UM POEMA NA AREIA


... aquele menino
sentado na praia escrevia
um mouco poema
na areia:

pouco depois,
com lágrimas nos olhos,
percebeu que se aproximavam
algumas pessoas

e breve correu
ao escrito a mão, apagando-o por completo
das visagem dos curiosos
olhos.

Ninguém viu, pois,
e ele jamais contou de sua mais bela,
sublime, genuína e triste
obra.

AO ANOITECER


... quando
começava a me adentrar
pelas sombras,

eu ainda
a amava (e acho que ela ainda me amava):
lembro-me bem.

E lembro-me
também de quando (naquele fatídico
sábado)

a vi toda feliz
conversando com pássaros perdidos
em quimeras iluminadas:

era o prenúncio
de que a noite se me tornaria eterna
e tristemente  solitária.

TRISTE CONSTATAÇÃO


“... mas se você
não fizer também do jeito  que me pede
(e de modo diferente do que
tanto me acusa)

 fica difícil, meu amor!”,
disse ela, com incontidas lágrimas
aos olhos.

“... devo concordar
e dizer que nos seja, muito provavelmente,
impossível sermos tão brancos
e tão sublimes

como queremos
que nos sejam, querida”,

respondeu-lhe
com cruciante dor no coração e,
à mente demente, resoluta
convicção.

QUANDO O CARROSSEL PASSAR


“Papai papai
meus colega falô uma coisa na escola
que eu queria sabê
o que é.”

“Dize, meu filho.”

“Ês falô boceta
o que é?”

“Ah, sim!
Bem (ram, kram!), isso é algo que,
quando cresceres, as moças
vão te dar

– e tu vais muito
querer! –,

mas terás
de ter bastante cuidado, pois podem
pedir tua liberdade
em troca.

NUVENS


Brancas e secas
a anjos que lhes descem
esbeltos,

escuras e chuvosas
a demônios que lhes sejam
descobertos.

Sim,
as magníficas e belas
nuvens:

rigidíssimas
com suas máscaras
de algodão,

dissimuladíssimas
com suas faces e asas
de plantão.

DESENLACE


...  depois de tudo,
pode-se concluir que a estória
daquele sublime  e eterno
amor

[que se diziam ter
em todas as noites nas quais
se encontravam à falsa
nuvem]

 tivera sido,
na verdade, realmente simples:
morreu com alguns espinhos
e pedras,

que os belos
e dissimulados amantes carregavam
escondidos em seus
bolsos.

EM TERRAS SAPIENS



... quem já chegou a dizer,
em algum momento, que escrevo bem
(ou algo que preste),

está, devo dizer,
completamente equivocado:

o que tenho feito,
em mal traçados textos e versos,
é somente  patinar

– mal conseguindo
dar, de pé, algum passo adiante –

 à puríssima
originalidade minha e de meus
semelhantíssimos
irmãos.

INAFIANÇAVELMENTE


... no discurso,
tenho a visão panorâmica de Nietzsche,
Shopenhauer, Beethoven, Einstein
e tantos outros

– e confesso
que nunca li sequer a  nenhuma
de suas obras de modo
completo –:

são armas menestréis
que carrego comigo à mochila,
para usar nos debates
acalorados

e nas vãs contendas
dementes, como ocasionais serviências
a meu espúrio
ego.

DE NOVO: SANTOS E PURISTAS



... e o padre chegou
– com suas vestes angelicais
e com suas palavras
iluminadas –,

e disse aos fiéis,
durante a celebração da santa missa
de domingo:

“Segui os mandamentos
de nosso Deus, entre os quais está
não cobiçar a mulher
do  próximo!”

À primeira fila,
ao lado do marido incauto,
estava a puristíssima
senhora,

ainda com resíduos
de porra do sacratíssimo representante
aos peitos, à vulva
e à boca.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

SEM LEMES


Escorremo-nos
[incontida, incauta e variavelmente]
por diversos caminhos, searas
e encruzilhadas

aos quais
se estabelecem, com nossas asas inválidas
e com nossos pés
inchados,

ora esperanças grávidas,
ora  ilusões devaneadas, ora voos incautos,
ora ainda tropeços e quedas
desesperadas;

e dos quais,
sem aprendermos as severas lições
das chuvas, das pedras
e das espadas

continuamos
a fazer escolhas [embora, soberbamente
pensando serem certas]
erradas.

OS ÚLTIMOS SUSPIROS DA ESCURIDÃO


... a noite
continua a se escorrer
lentamente,

e ela
ainda aguarda um definitivo
amanhecer

– à versilibrista
melodia dos pássaros e anjos
da glória –

sobre
nobres, belos e divinos
píncaros.

SOB O SOL METÁLICO



... bem, eu sei,
sim, que és pura como
um anjo,

mas não
te disseram que os anjos
são ainda mais

assoberbados, voláteis
e dissimulados que os sapiens,
querida?

SOBRE AS CHUVAS


“... olha só
que bom, hoje vai chover,
meu amor!”,

disse-lhe ela;

“Sim, chuva é bom,
o duro é chover o tempo todo
sobre telhados
refletores!”,

respondeu ele
com uma montanha às costas
e o olhar já curvado
ao chão.

ALÉM DAS JANELAS


Um dia alguém
também conseguirá – ainda andante –
sentir o frio e rijo apagamento
como sinto agora:

findam-se
os desejos, os sonhos e os amores;
caem-se as árvores, as asas
e seus atores;

secam-se
os pântanos, os mares  e seus frequentadores;
verga-se a vida em vãos
fulgores.

O MOUCO SOM DOS CACOS


Ó tu, que surgiste
assim, toda  misteriosamente
bela,

– autoproclamando-te pura,
com a divina cruz a brilhar entre os sedutores
peitos –,

do mesmo ponto
desconhecido de onde vem
o vento:

pensaste ser teu
o pássaro, a árvore e o céu,
incautamente te esquecendo de que aqui dentro
habita um homem

que, de tua outrora
nuvem branca, faria cair  chuvas, fogos
e sombras?