terça-feira, 31 de março de 2015

AMANTEIGADOS



Basta caminharmos juntos
(sóbrios, ébrios ou loucos) com ilusões incautas
esperanças promissoras ou quedas
recorrentes;

basta caminharmos juntos
em frestas de céus rasgados,
em pedaços de mares calcificados,
ou em altos cimos
alagados;

basta caminharmos juntos
com os reflexos de nossos espelhos negados,
com as atuações ao palco engendrados
ou com as dores dos cernes
enfrentados;

basta caminharmos juntos
sem quere nos verticalizarmos muito rápido,
sem perfeitos e eternos amores perjurados,
sem desejos e fantasias
entreçados;

basta caminharmos juntos,
enfim, com ou sem aquelas asas inválidas,
com ou sem aquelas máscaras douradas,
com ou sem aquelas insânias enlamaçadas
do passado;

mas com a consciência
pura e nua de que somo, entre a multidão,
apenas mais dois seres
humanizados.

RUMORES DA NOITE


Poderia grafar
vossos nomes ao lado escondido
dos embaciados
espelhos;

poderia sangrar
vossas tolas ilusões, até que se tingissem
os céus, os mares e os rasos
de vermelho;

poderia enterrar-vos
aos vossos próprios arquipélagos de sombras,
entre anjos espúrios e espíritos
imundos,

 encharcados
de indecifráveis demências, de ardentes
concupiscências e de recorrentes
quedas e medos;

mas eis que
deixarei que vós mesmos vos afogueis
entre os resíduos de vossas próprias
cloacas gritantes,

e entre os destroços
e vazios de vossos próprios labirintos
cada vez mais
escuros.

VIAGENS E QUIMERAS SAPIENS



Segui:
Ide às planícies, aos montes
e aos mares [e disso, se possível,
segui além]–

com vossas luzes
e com vossas teias cáusticas; com vossos zircões
e com vossas verticalidades
acocoradas.

E ide assim,
incontinentes e mascaradamente,
[para-e-além-qualquer-lugar, possível ou não]
sem olhares para trás;

a tentardes desclorofilar
o que vi pespontar-vos [às asas tíbias]
daqueles pueris  quintais
longinquamente
perdidos

e de vossos agora
ignotos e labirintíticos porões
escurecidos.

ANSEIOS DAS NOITES PASSADAS



Escolhemos, incautamente,
quando ainda  nos andávamos juntos
[embora nos perjurássemos
em  faustas luzes],

sombras soturnas
e dorsos de pássaros desconhecidos
para voarmos nos perdermos,

com nossas insaciáveis
fomes e sedes por sonhos, ilusões,
fantasias e insânias incontidas

[ainda se dá para sentir
os cheiros dos cafés-concerto, das neves derretidas
e das acetinadas flores tropicais;

ainda dá para sentir
o gosto agridoce dos corpos hasteados
e das línguas menstruais]:

por isso, das consequências das nódoas
que nos implantamos aos desertos calcinados,
não há mais que se ruminar sobre
um amor naufragado,

entre tremeluzentes palavras
e sublimes perjuras por leitos sempiterniados;
enquanto nos matávamos, aos poucos,
com brancas pedradas.

ATÉ A ÚLTIMA NOITE DE INCÊNDIOS


Apesar de nossas escolhas
por escaladas impossíveis em outros morros,
por ilusões inexequíveis com outras
asas em voo

e por incompreensíveis
fulgores por outras ruas de lodo,
que vieram nos causar rígidas e dolorosas dores
sob chuvas de fogo;

a força que me move
a ficar é tão imperiosamente grande que,
mesmo no mais íntimo silêncio
de nossas ausências,

nunca faltou o murmúrio
fantasmagórico de vozes passadas,
 nem o indigente  vento a me
tocarem com teu nome.

ENTRE AS CINZAS


Palavras
[para que tudo,
consumido e consumado,
perdido se mantenha ]

que já nos abriram
tantas portas e janelas de casas e templos
que se banhavam  em lumes
liturgias;

que já nos revelaram
mares congelados, céus rasgados e montes
inundados por cales
frias;

que já nos descortinaram
em pecados e desejos com anjos e demônios
com quem clandestinamente
nos promiscuímos

[para que tudo,
consumido e consumado,
perdido se mantenha ]:

não mais.

FEBRIS


Como se possível fosse matar
a imanente e insaciável fome de duas solidões,
só valeria realmente a pena
um voo conjunto,

se fossem transgredidos
cada centímetro de sobriedade, de  loucura
e de emoção.

Por outra,
de que valeria auscutarmo-nos
os compassos e descompassos cardíacos,
que nos mantém ao árduo
caminho;

ou descortinarmo-nos
os pensamentos mais escusos e ambíguos,
que nos habitam às profundezas
íntimas;

ou sentirmo-nos
as concupiscentes vertigens desrrítmicas ,
que nos levam a leitos de sonhos
e de leites perdidos;

ou ouvirmo-nos
as palavras voláteis em luzes mascaradas,
que omitem nossos erros de rota
por horizontes aracnídeos;

ou, ainda, suportarmo-nos
os secos, estéreis e angustiantes desertos
que resultaram de nossas
chuvas sísmicas?

RUMORES DA PASSAGEM



... nunca mais
me contes nada da imensidade
dos mares,

do sublime e eterno
brilho das estrelas, nem dos novos
sonhos lunares;

e nunca mais
alimentes sonhos  e esperanças vagas
às minhas tristes noites
amuares:

ando-me
esquálido, à beira da morte
ou à tênue borda-falha
da esperança,

tão somente
em insana resistência à inexorável
falência desta vã e vil
jornada.

FATALIDADES


Novos e sublimes
infinitos nascem de indecifráveis
caos,

de silêncios
se fazem magníficas sonoridades
alfas,

de nadas
brotam promissoras ilusões
molhadas;

um poema acaba
de nascer na espúria extravagância
de tudo isso.

INEXPLICÁVEL



... mundo afora,
ventos quentes, insônias contentes
e asas solventes;

e eu aqui
com essas retinas atormentadas
em um triste

e solitário amor
demente.

DELIRIUM


... mas que dor
é essa que encobre dez
mil tesouros,

destrói
milhões e milhões de fortes
esconderijos

e rasga
todas as constelações de sonhos
e de esperanças

já havidos
à ainda pequena alma
deste menino?

PORQUE URGE VIVER O MOMENTO


Mesmo depois
de tantos céus, sóis e mares
estelares vividos
e passados,

enquanto
ainda renegas a companhia
deste alucinado
niilista,

não entendeste
que tudo se nos encaminha
– inexoravelmente –
para o nada!?

LOUCO CALVÁRIO DE AMOR


... mandei  flores
e elas morreram em vasos
descuidados,

ofertei músicas e poemas
e eles foram colocadas em contrastes
exteriorizados,

gosei luzes e leites
e eles foram desaguados em mares
escaldados,

dei meu amor
mais sincero e ele, a uma famigerada
sala de espera, foi
desleixado;

então, tresloucado,
expurguei minhas piores sombras
e elas foram bebidas
com tal sede

que se secou
inteiramente minha alma
desgraçada.

DAS ENCENAÇÕES DE UM SOMBRIO INCONTIDO



... se um dia
ousei querer ter a alma
cigana,

imaginando
que isso seria alvo, sublime
e poético,

devo pagar
o altíssimo preço de perder
um grande e terno
amor

que padeceu
me esperando por tanto tempo
na solidão e no ostracismo
do tédio.

TRISTEMENTE CONDENADOS


... ao que parece,
a guerra já nos estivera sido
perdida

muito antes
mesmo de nos houvéssemos,
por abissal condição,

 a alguma sublime
e válida batalha vencido,
querida.

AINDA ANTES DO DEFINITIVO ANOITECER


... e esta fome
faminta que nunca foi
satisfeita,

e essa sede
sedenta que nunca foi
saciada,

e essa eternidade
branca e conjunta que ainda parece
pouca

para um amor
assim tão alucinado, que nos mata
aos poucos?

ESCARLATE ESCURO


Se meu porto
fosse mesmo seguro,
se meu deserto  fosse mesmo
ambrosíaco,

se minhas forças
fossem mesmo hercúleas,
se minhas vertigens atingissem
mesmo as nuvens,

se minhas mãos
tocassem teu corpo e o mais importante:
se eu fosse mesmo metade
do que projetaste ao teu
modo de ver,

já teria nos livrado
das salivas e das fantasias dos fósseis,
já teria nos inventado um presente
menos laivo e urgente

e um futuro com fragmentos
não menos que perfeitos.

PEQUENO INTERVALO DE UM PESADELO


... sim,
penso que, depois de tudo,
eu possa, enfim, ter amadurecido
um pouco mais:

sinto-me
novamente como
um menino que, simples
e suavemente,

deixa-se escorrer
– meio perdido – por entre
os tempos, os espaços
e as emoções.

NUDEZ AVESSA


Há olhos
(escondidos) quase obscenos
a me observarem,
espevitados:

tingem-me de tudo
que lhes é (às próprias retinas)
negado.

DESEJO


... gostaria que
esse dia se acabasse, enfim,
rapidamente,

e que meus olhos,
e meus ouvidos, e meu coração se ressecassem
(sem mágoas ou ressentimentos)
de nosso laivo
enlace,

para que, assim,
pudesse-me tornar novamente
fértil e ávida terra

para o fluir de um novo
mar: amar.

MINGUANTES


[Com] e diante de suaves
máscaras, de mandíbulas de veludo,
de acrobáticos  corpos ígneos,
e de ondulares aracnídeos,

vamo-nos
por entre os tênues limites
do longo e sinuoso
caminho;

sem nos percebermos
cada vez mais próximos aos minguantes
olhares dos últimos
crepúsculos;

sem nos percebermos
as iminentes e escaldantes águas que sempre
nos inundam, o interior de nossos
fundos escuros.

EQUÍVOCO REPETIDO



Sentado ao sol quente
de um dia escondido em outubro
de meus quarenta
e quatro

– após comer
Alguns poemas de Pessoa, ouvindo
a sinfonia mouca
do vento

a se escorrer
pelo pequeno bosque que,
anos antes, plantei
 à planície –

a pedido dela,
tentava fazer alguma limpeza
em minha própria
casa:

e, ao rever um pouco
de nossos lixos e de nossos desrritmos
espalhados ao chão,

por um momento
eu cri no perdão, na paz e no amor que
ainda ontem ela me perjurava
ao leito molhado.

sim, não mais
que por um breve momento,
eu cheguei a iludir

de que
ainda poderia
haver alguma chance de continuarmos
caminhando lado a lado.

OLHOS VENDADOS


Às vezes,
é imperioso fechar os olhos
– sobretudo quando poeiras de destroços
ao caminho teimam em se
lhes deitar –,

para que se consiga afiar
novamente – mesmo que exígua –
alguma afiada pureza à inevitável viagem
pelo que chamam vida,

sem perder a capacidade
de manter vivos os sonhos e as esperanças,
entre brisas plácidas, chuvas  ácidas
e tempestades desérticas.

CAMPA AO DESERTO


Estica a mão
e as vistas até onde alcançares,
para sentires melhor
o deserto

– frio,
branco,
esvaziado –

que me deixaste como
dor de parto.

Sem cogitares
mais nada, sente a barreira
– quantas pedradas às águias
em voo! –

onde está calcinada
a eterna e irrecuperável distância
entre nós dois.

À FLORESTA


Répteis, aracnídeos,
insetos e toda espécie de bichos,
e todo colúvio de sapiens, e toda ordem
de anjos e demônios mamíferos:

aos chãos,
com pés, mãos e mandíbulas
enfiados na densa floresta que esconde
as luzes dos descompassos
das horas,

são todos iguais;

às árvores que dão aos céus,
ouvem-se ecos estilhaçados de asas, ossos
e almas dos que, nelas,
se atreveram
a trepar.

ENCHARCADOS


Imanentes e indecifráveis
bipolaridades que habitam o cerne,
grandiosidades que se ruminam dos labirintos do cerne,
vomições que se escorrem às exterioridades
úmidas do cerne:

vermes,  ratos,  bernes.

Em que campo trilhar,
quando se as tremeluzências artificiais
ofuscam o que se deva
enfrentar?

Em que mar amar,
quando sobem aos olhos – trepanando-os –
palavras, enredos e atuações
a encantar?

Que terra arar
se as miragens vistas pelas frestas (re) inventam
sombras, quedas, destroços,
 vazios e lamaçais?

A CAMINHO DO FUNDO


Não se deve brincar
com as dobras escuras das noites,
nem com as diversidades
estrábicas dos dias:

da última vez
que fiz isso, ruminaram-me
intrínsecos fantasmas
taciturnos;

ressoaram-me
melodias de brancas lamúrias
à planície calcária e às
bordas difusas;

ondularam-me
profundas ilusões e laivas loucuras
às órbitas e às furnas;

enquanto a espessa
névoa me envolveu com fios alinhavados
por angústias e dores
sem cura.

DESLIMITES PERDIDOS



Vagamos por ruas,
avenidas e ilusões quase uníssonas
em atuações, enredos
e ritmos,

a matarmos fomes
e sedes de desejos às superfícies lisas
de onde ondulam lumes secos
e ramagens napeias,

enquanto protegemos
nossas sombras com silêncios aracnídeos,
às profundezas descompassas
que nos habitam.

REFLEXO À ÁGUA LAIVA


Algumas luzes
e incontáveis sombras cloacas,

vagas ao ares
e pedras ao mares,

árvores rachadas
em florestas suspensas,

multidões gafanhotas e obesas
convidadas para sonhos, saladas e sobremesas;

a tudo isso, chovendo
(de e entre nós), vi.

Tirei-me as máscaras, as capas
e os sapatos,

decidi;

e, expondo-me desnudadamente eólico
em ossos e contornos pífaros,

resisti.

Mesmo assim, o que aconteceu
que não conseguiste ver

um pouco melhor
a mim?

GRANDEZA ÍNFIMA


Ando cansado
– e por demasia cansado – de labutar
sobre o paradoxo do que
chamam de Ser;

uma vez que
 – segundo seu apócrifo modo de ver,
ou dele independente –

só parece haver
sinais de vida, ou de pseudovida, nos rastros
(des) sincrônicos das manhãs
e das manhas,

como das coisas
e das novas possibilidades
reinauguradas a suas senciências
avessas.

ERROS PERFEITOS


As senciências saltitam
dentro de pacotes fechados de figurinhas;
é apenas caso de se abrirem
com palavras-chave,

para que se consigam preencher
rotas-vogas com semeaduras impossíveis:
alguns risos incautos e alguns choros incontidos,
algumas ilusões-nuvem e algumas
quedas perturbadoras,

algumas inocências derramadas
e algumas desafinadas sombras escondidas,
uns arco-íres, uns céus, pares de asas,
capas com máscaras,
pára-quedas.

Sim, sim, sim!
É laço síncrono de se voar como traças obesas
e de se navegar como tilápias
taludas

– acrobaticamente –
por entre a adulterada morfologia esticada
dos contornos, das casualidades
e das coisas.

ESTIGMAS


Precisas mesmo
continuar escorrendo tuas luzes pulsáteis
sobre os caos e os naufrágios
alheios,

escancarando-lhes
as asas negras das ilusões e esperanças harmônicas
e as misérias e os fedores das cloacas
extruideiras,

só para te negares
nas contrafaces das pedras, nos intestinos dos vermes,
e no piche negro de teu próprio
fulcro cuspideiro?

ARREMESSOS


Ao que parece,
não nos podemos evitar
criarmos cenários navegáveis a todas as coisas
e imaginações  – possíveis ou não –,
que se nos passam a tornar
subordinadas:

 a disposição dos elementos
químicos, pesados ou leves, como controle dos átomos
e das moléculas, em  estratificações
que são formadas;

a emissão de palavras
duodenais aos ares, aos livros, às graças
e às desgraças dos parolins
que são jogados;

a sucessão de abnormais
senciências à obesidade insatisfeita das fomes
e das sedes que se nos habitam
os cernes esticados.

CACOS PASSADOS


Ainda há fantasmas
se escorrendo, escondidos,
das soturnas sombras das noites
em que nos andamos
juntos;

deixando rastros
de cinzas e de lamúrias
por entre as difusas bordas
das novas manhã,

as quais têm
se estancado infartadas,  já nos brancos
rodopios de seus frágeis
nasceres.

O MAIOR DOS ENGANOS



­Não nos devemos iludir,
imaginando voarmos como águias,

andamos mesmo é como
formigas.

LONGE DAS ORIGENS


Depois de tantas
idas e vindas, e de tantas tempestades
e tropeços pelos caminhos
desta vida,

jamais pensei que,
quanto mais próximo da margem final,
logo à quietude dos ventos
e das águas,

haver-me-ia de sentir
tanto medo à brumática melancolia
que me envolve.

quinta-feira, 26 de março de 2015

TRANLADANDO IMAGENS


Por questão
de sobrevivência, às vezes,
é  imperioso  interromper
as chuvas

e fazer das tempestades
um silêncio
surdo;

assim como,
nos momentos de tranquilidade,
paz e sublimes amores
regozijados,

parece-nos inevitável
fabricá-las.

O SAL DAS LARINGES



As almas
daqueles que se fiam
na volatilidade
da palavra

– a extruírem
de si luzes girinas,
como que a poderem
se esticar

com asas
de libélulas  pas-de-deux
para beberem de doces
cálices apolares;

ou a colorarem
rotas-graças, que lhes acalentem
as bordaduras das próprias
senciências cegas –

costumam
estancar-se aos chãos,
entre ligas de argilas, cinzas
e enfartadas ilusões!

MONOTONIA



Ao acordar de manhã,
levantou-se e foi de pé a chão
até o banheiro,

com o rosto amassado,
um filha da puta de tesão urinário
e, à boca, um fedor tal
que o deixara
mudo:

de frente ao espelho,
parou e pensou:

“Puta que pariu!
Mais um dia a andar coma alma esticada,
por labirintos de quilha e estranhas
bordaduras,

em interstícios
de sonhos, pedras, detritos
e vazios!”

OS DOIS


Habituamo-nos tanto
a nos vestir com máscaras salpicadas a ouro,
por caminhos de sonhos
e de lamas,

que

– de nossas digladiações
ególatras e dementemente psíquicas
por cafés-concertos, céus figurados
e leitos concupiscentes –

perdemos completamente
a noção do quanto é vil e vão semear,
às superfícies e às cicatrizes
das coisas,

nossas ilusórias
e úmidas colheitas futuras.

TENTANDO FUGIR DE UM MOMENTO QUE PARECE SE REPETIR


À medida que
tentamos avançar novamente,
o corpo mostra o cansaço da solidão
à desértica praia,

a mente começa
a fiscalizar, por todos os lados,
os resquícios dos fantasmas
passados

e a alma angustiada
avança devagar à laiva capacidade
de não amar e de não crer
em mais nada.

ACHADOS E PERDIDOS


Quando se
perde a consciência da sinceridade
dos silêncios e das sombras,

as coisas costumam
tomar sentido a ilusões e tremeluzências
tão faustas e vãs

que, a seu tempo,
escorrem-se por amargos rios, em direção
aos próprios e vazios
precipícios.

ACHADOS E PERDIDOS


Quando se
perde a consciência da sinceridade
dos silêncios e das sombras,

as coisas costumam
tomar sentido a ilusões e tremeluzências
tão faustas e vãs

que, a seu tempo,
escorrem-se por amargos rios, em direção
aos próprios e vazios
precipícios.

ENQUANTO A VIDA SE (ES)VAI



As iludidas emoções
não controladas; os erros de escolha
a se derramarem em  cântaros
ferventes de leite:

há espíritos de  loucura soltos,
a se escorregarem na superfície lisa das palavras,
com grande poder de retóricas
e metáforas;

há fomes proibidas
e insaciáveis de anjos, que se movem escondidos
entre sombras e há métricas floridas
por entre de sonhos
e de jambos.

E assim, com cheiros
de sóis e de navios distantes, continua ela
a navegar rasgando geografias
de terras e mares,

totalmente alheia
de que há também lágrimas desertas
e um infinito rasgado em meio
àquele arco-íres outrora
perdido

e uma silente vontade
de se destruírem novas alvoradas,
enquanto me caminho
ao último andar.

SEM PULSO


Ao espelho
quebrado, vejo pingos de sol
refletidos como gotas
d’agua;

às frinchas
das entrebordas, ainda ouço
ecos passados a ressoarem,
com mágoa.

Vergo o corpo,
sangro a mão ao tentar separar
somente os cacos rosados
da vaca;

quando percebo,
enfim e dolorosamente, que também
já me caí em suficientes
extravios

para perder minh’alma.

AO VENTRE DAS SOMBRAS


Uma flor de inverno
rasga as vestes escurecidas da noite,
com seus semblante pálido
e com suas insânias
encravadas;

à mente,
traz nacos de asas,
polens e ilusórias demências, em lúdicos
caldos de luzes, verbos
e leites,

com tamanha
esperteza que convence até
a alguns dos mais poderosos imperativistas
e pseudodeuses.

quarta-feira, 25 de março de 2015

PER LA SUA DOLOROSA PASSIONE



Dentro, às profundidades
côncavas do ego, há-nos tantas dúvidas e brumas
a fervilharem como incandescentes gotas
de ilusões,  esperanças,  medos
e sombras

que, às frinchas
mais angustiantes e profundas do caminho,
torna-se inevitável não
contemplarmos

– mesmo aos que,
como eu, não  tenham em si alguma
fé válida em deuses criados
por homens –

o grande  e sublime
exemplo, junto aos detritos da humanidade,
de tua corajosa, salvífica e dolorosa
paixão.

ENIGMAS


Dize-me para que
nos valham tantos e tantos anos
nesta inglória existência
de abstrações,

onde nos andamos
em ciclos turvos de lavores,
desejos e ilusões, sempre a trocarmos
– como de roupa – de amores
e dores;

sempre (negando
nossos próprios reflexos) a buscarmos
novos planos, sonhos
e enganos,

e eu te mostrarei,
enfim, o segredo que tanto pedes
sobre o abnormal e espúrio
ser humano.

SEM CULPAS


... de nada te culpo,
querida;

na verdade,
eu sempre soube que nunca foste
bem assim, tão pura como
dizias por aqui:

há pássaros
que gostam de cantar escondidos
– à revelia de suas luzes
e de seus perjurados
amores –

em outras quimeras
por onde voam escondidos.

ADIAMENTOS POR CHUVAS E ALAGAMENTOS



Não vês?
Não percebes que
não podemos adiar mais nada
para o momento
seguinte?

Não te deste
conta de que cada adiamento,
por qualquer imagem interferente ou descompasso
que haja ao caminho,

faz-nos nascer grande
angústia ao coração e arder, em fogo bruto,
o sonho à nuvem  e a sublime
emoção,

que se vão esvaindo,
entre cinzas e destroços molhados,
aos profundos precipícios
que cavamos?