sábado, 22 de julho de 2017

DISTANTEMENTE



Em distantes idos,
certa vez, mais ou menos
aos quinze anos, vi a um velho
mendigo,

sentado à calçada
da praça sete, – em beagá –
em meio a uma multidão
de sapiens formigas
passantes.

Tinha um pequeno papel
às mãos, ao qual escrevia algo
inacabado

– chamou-me
a atenção a estranha a cena:
em vez de pedir esmolas,
estava ali alienado,

como que tivesse
se ausentado, temporariamente,
da brumada condição em que
se encontrava –;

aproximei-me
calmamente e pedi para ver o que escrevia
tão compenetradamente:

“Isso é segredo!”

Ainda mais curioso,
perguntei quanto custaria
a confidência pregada, dissimuladamente,
naquele pedaço sujo
de papel:

“10 contos”.

Saquei imediatamente a grana
da algibeira, e deixei para ler em casa
os traços palavreados do moribundo
morfético,

e, ao que para ele,
ao ver meu interesse, tenha sido,
talvez, uma esperta forma de ganhar
uma graninha,

posto que poderia
reescrever no momento seguinte,
ou reinventar pela eternidade
porvir

– e eu descobri
isso depois, ao ler o conteúdo
e isso continua sendo
segredo –

fez-me transformar
em um severíssimo niilista concreto,
e em um exíguo poeta
abstrato.

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