POR QUE ESPERAS SER TARDE DEMAIS?
Chuva fria adentra-se à noite densa e
desestrelada, aprisiono-me em mim mesmo, fechando janelas e portas.
Fora, ventos amalgamados de todas as eras e lugares por onde andei, sopram
insolentemente, querendo arrebentar as trancas.
Com eles, alguns fantasmas ressuscitam-se em assombros, Sussurrado-me martírios
de vidas e de mortes excruciantes.
Cães coléricos ladram de fora suas fúrias desapiedadas. Sou-os e os ouço, aos
ventos prostituídos e aos cães apócrifos, em tentativas ilusórias de os
apartarem de minhas entranhas apodrecidas.
Discernida a fraude, minha alma se encharca em desilusões que se lhe assentam,
e em angústias inalienáveis pela visão de que sou criador bastardo de tantos
mundos dissecados a meus próprios aprazeres impuros, com as ressoantes dores
dos que ousaram de mim se aproximarem.
Tentando negar meu ser imperfeito foi que mais me conduzi à grande queda, que me
atormenta em túrbidas convulsões internas.
Em vão, procuro contemplar em
horizontes desconhecidos algo que de mim não tenha sido ainda maculado pelo
nefasto poder de minhas gêneses. Na busca, enquanto alimento o
monstro com um último suspiro de frívola fé, Minha razão adulteradora crucifica
um Deus já morto na nascença de sua criação. E, enquanto ainda ouso
alimentar sonhos insuspeitos a virgens em busca de luzes cândidas, minha razão
os condena a porvires de aflições e de saudades exaustas. Que grande desdouro
acometeu meu ser atrofiado por uma sanidade, que se perde nos labirintos
obscuros de meu próprio ego! No vegeto estado anômalo em
que me encontro, concebido com o mesmo poder criatório, que a tantos reinos fez
sucumbir com suas lendas irreais, é que me condeno em espasmos cruciantes nem
suspeitava existirem.
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