É CHEGADA A GRANDE NOITE

O dia se apresentara em esplendoroso espetáculo sob a
abóbada celeste, quando se levantou imponente o entardecer, avermelhado em seus
horizontes. Da manhã recente, ainda sentia o cheiro das flores –
de diferentes espécies e cores, e com o olhar cobiçado, ainda contemplava as
últimas donzelas a desfilarem à suave luz que se ia morrendo. O dia, que fora dissimuladamente claro, aproximava-se
de seu suspiro final, em tão belo espetáculo que invadia meu íntimo com
fragmentos de vidas irrecuperáveis, letargiando meu ser com lembranças de
gloriosos momentos outrora vividos, e me mergulhando na palidez presente em meu
semblante posto diante do espelho. Embriagado por angústias insanáveis que em mim
reverberavam, contemplei o prenúncio da mortalha que ia se adentrando em minha
alma.Acima, estrelas começavam a se pirilampar na escuridão
iminente; e a lua, sôfrega, começava a me iluminar suavemente, como aos poetas
que choram seus versos, aos ébrios que cantam seus desvarios, e aos namorados
que perjuram seus amores. Pressentindo o momento de as cortinas do grande
espetáculo se fecharem, sem que percebessem, mais noite em mim se formava em
grande tormenta, quando o mundo de quimeras mortas se me fugiu por derradeiro,
e meu cerne ressequido foi inundado por tribulações contritas. Então, meus olhos fizeram o último contato vulnerável
às ilusões perdidas, apenas um pouco antes de o sono bruto me prostrar em
apagamento, por detrás do iluminado palco onde tantas vezes atuei espuriamente.
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