domingo, 28 de maio de 2017

É CHEGADA A GRANDE NOITE

 
O dia se apresentara em esplendoroso espetáculo sob a abóbada celeste, quando se levantou imponente o entardecer, avermelhado em seus horizontes. Da manhã recente, ainda sentia o cheiro das flores – de diferentes espécies e cores, e com o olhar cobiçado, ainda contemplava as últimas donzelas a desfilarem à suave luz que se ia morrendo. O dia, que fora dissimuladamente claro, aproximava-se de seu suspiro final, em tão belo espetáculo que invadia meu íntimo com fragmentos de vidas irrecuperáveis, letargiando meu ser com lembranças de gloriosos momentos outrora vividos, e me mergulhando na palidez presente em meu semblante posto diante do espelho. Embriagado por angústias insanáveis que em mim reverberavam, contemplei o prenúncio da mortalha que ia se adentrando em minha alma.Acima, estrelas começavam a se pirilampar na escuridão iminente; e a lua, sôfrega, começava a me iluminar suavemente, como aos poetas que choram seus versos, aos ébrios que cantam seus desvarios, e aos namorados que perjuram seus amores. Pressentindo o momento de as cortinas do grande espetáculo se fecharem, sem que percebessem, mais noite em mim se formava em grande tormenta, quando o mundo de quimeras mortas se me fugiu por derradeiro, e meu cerne ressequido foi inundado por tribulações contritas. Então, meus olhos fizeram o último contato vulnerável às ilusões perdidas, apenas um pouco antes de o sono bruto me prostrar em apagamento, por detrás do iluminado palco onde tantas vezes atuei espuriamente.


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