Durante muito
tempo, seu quarto fora seu mundo. Ali havia tudo: em sua gaveta, poemas
amarelos, condenados a mortes invisíveis; à parede, quadros tão acabados quanto
sua pele a envelhecer; à estante, folhas em branco e livros, muitos livros aos
quais perdera o prazer e o costume de ler; sobre a escrivaninha, o computador
pessoal – companheiro (a longo tempo) de devaneadas ilusões e de afiascadas
fantasias – ao qual, por longo hábito, manuseava com extraordinária destreza.
A um canto, a
parte mais importante: o vazio, onde ela costumava colocar tudo que queria
esconder de qualquer um que adentrasse o recinto, para bisbilhotar suas mais
secretas posses. Ali havia de esplendorosos e puros jardins a devassos
paraísos, por onde escondia seus anjos amantes e seus entenebrecidos
fantasmas.
Às vezes,
parava diante de janelas. Gostava de apreciar, de elucubrar e de tentar vestir
a pele e a alma de quem estava do outro lado das janelas; mas, na maioria das
vezes, acabava mesmo é fracassando, ao se libidinar virtualmente (com uma mão
na vulva e a outra no teclado) com quem estava ali do outro lado das
janelas.
E assim foi
envelhecendo, entre a vontade cada vez maior de colecionar anjos e a
incapacidade de evitar a recorrente cria de fantasmas, até que um dia viu uma
imagem: um niilista lhe apontava, impiedosamente, o dedo à face e à alma; e lhe
direcionava a visão a um magnífico monte: de onde quase se podia tocar o céu;
de onde, a mais um passo, despencar-se-ia sobre as rochas do desfiladeiro.

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