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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
RENASCIMENTO INGLÓRIO
Essa noite tive
um sonho deveras estranho:
havia-me, e a quatro titãs e a meus três filhos,
todos a certa distância, entre planícies,
montes e estranhos horizontes.
E eu via dos titãs as barcas trincadas,
e eles viam-me com as asas machucadas,
enquanto as crianças viam-nos admirados
sem entenderem a nada.
Aos titãs – dois do gênero masculino
e dois do feminino – eu via os olhares de fogo,
os corações de pedra, as palavras-pluma
lançadas e as mãos a esconderem
fios de lâminas afiadas.
E eu lhes queria exterminar
as frinchas que sabiam haver, mas que omitiam
de suas barcas; e às crianças
eu queria recuperar
ainda intactas;
enquanto os titãs,
com suas crinas inclinadas,
suas poses heróicas, suas harpas mágicas
e suas soberbias incontroladas,
esparramavam imagens
tão fascinantes aos mambembes espetáculos
em que se apresentavam, que as iam
deixando encantadas.
E não sei por quê,
ficaram sabendo os titãs que,
depois de mais uma vez ao limite provado,
eu havia sido poupado do eterno
reino apagado;
e, embriagados de ira,
quiseram-me provar o maior dos erros
e meu pior castigo: minha pequenez
e minha morte viva na vã
e vil jornada.
De repente, tudo se convulsionou:
sobre terras, mares e reinos distantes
riscaram os céus com asas ainda
puras as crianças;
os titãs, em seguida,
pousaram-se um pouco além delas,
com suas barcas volantes; e eu me caí um pouco
antes, com as asas realmente
quebradas.
As crianças, então,
ergueram-se puras; os quatro titãs passaram
por elas, abreviando-se em dizerem
que eu era um ser negro que
decaiu em forma
humana,
e que, uma vez mais,
tinha escapado da ira inflamada dos deuses,
os quais esperavam pelo justo
acerto de contas;
e seguiram-se em meu rumo,
deixando à passagem flores de todas as cores,
e cheiros que perturbavam todos os sentidos
das águias e das formigas que
passassem por perto,
como dos pequenos
que se confundiam por entre
as florestas que plantaram entre delas
a visagem de mim.
Quando apontaram na esquina
de entre os tempos e espaços,
estava-me soerguido e já de tudo
conhecedor do que
haviam dito
e feito ao disseminarem
suas alvas figuras e seus belos, voláteis
e eficazes verbos por entre as searas férteis
das senciências e dos desvarios
sapiens.
E então,
vi quando as crianças iam-se
trnando adultas, cada vez mais confusas,
a caminharem por entre as flores e as árvores
que foram plantadas pelas ruas,
passeios e veredas
da vida;
e tão confusamente
que lhes chamei atenção para dois buracos
sob meus braços erguidos, tentando
lhes explicar o motivo de minha
grande ausência
e lhes mostrar
que não era – como lhes disseram os titãs –
as minhas disseminações; mas que,
como ocorreu comigo,
que se cuidassem,
porque pela palavra e pelas ilusões
de mitos e lendas criados é que
poderiam incorrer as maiores quedas
de suas vidas.
Sem ser ouvido, bradei, enfim:
“Sou eu, seu pai, meus filhos; sou eu!”;
enquanto se riram desdenhando os titãs
que já lhes havia envenenado
os puros sacrários.
Neste momento,
pus-me a olhar a lendária barca,
por onde sempre voavam essas criaturas,
invertebradamente criadas por homens
tão inglórios como eu;
e me caminhei a ela
– à barca – com uma ira tal que deixava negro
o chão por onde passava.
E me pus a destruí-la
e a desmantelava quanto mais se riam os titãs
e mais choravam meus filhos
pela inconteste prova de minhas imanências
abnormais e espúrias,
sem perceber que estava, assim,
condenado pelo resto de meus tempos, a lutar
e a me prostrar, mesmo na frente
dos que mais amo,
contra os reflexos avessos
de mim mesmo.
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