(Porque a grande questão está além da imensidade do ser, meu caro
Sartre. E te aprisionaste nela.)
Caro Jean
Paul, muito bem feitos foram teus estudos sobre o ser e, particularmente, sobre
o apregoado poder de escolha que lhe é nato, embora, a meu ver, de forma não
tão categórica e expansiva, outros tenham tratado do mesmo tema ao falarem do
livre arbítrio.
Por isso,
hoje, quis mirar-te, sem me importar que teus discípulos – ou de quaisquer
outros grandes regozijadores de imperativos –, queiram corroborar,
contra-argumentar ou cuspinhar no que possam achar um concorde ou um afronte a
tuas ideias.
Serão todos
olvidados por uma simples questão: Não quero prolongamentos dos desvarios sobre
o tema.
Mais: nem
serei demasiadamente extensivo, que em pouco falarei, sem rodeios, apenas o que
se me deva ser necessário para mostrar onde estamos e donde (como) se dão nossas
inaugurações e escolhas.
Sequer me
darei ao trabalho de falar do “Ser no mundo” de um de teus mestres, Heidegger,
que, unindo existencialismo e fenomenologia, apregoava que “Ser no mundo” é
estar nele e entre as coisas dele, e não a ele ligado. Quero a concentração no
teu pensamento sobre o que dele adveio, ao defenderes que “Ser é as próprias
possibilidades: é fazer-se ser”, através de inevitáveis escolhas a que nos
estamos condenados.
Devo
começar dizendo que tais poderes – de escolha e de seu irmão gêmeo: livre
arbítrio – nascem já no primeiro choro da singularidade abnormal, rasgando as
naturezas frias com o cardo senciente das razões e das emoções.
Com o
crescimento e, por consequência, com o amadurecimento da mente, tais poderes
refletem-se em palavras verbalizadas, inconscientes despercebidos e pensamentos
postos às mesas, aos ares e aos sonhos. E muito embora se pareçam vestidos de
sobriedades, revelam as reticentes quedas rupestres de nossas próprias criações
espúrias.
(...
Em se
abrindo aqui um pequeno parêntese para colocar um contraste preliminar ao que
me predisponho, mesmo que pudesse supor sagrado o poder de escolhas do ser – de
forma consciente ou não –, ou sobre o que fabricamos em decisões e ações,
parece-me suspeitoso que ele não se abale com as súbitas emoções e
inconsciências próprias que nos habitam; e, sobretudo, com a miscigenação de
outros EUS, com os mesmos gigantismos e complexidades, com quem convivemos
sociologicamente.
Em se
levando em conta todos esses aspectos, imaginando que inconscientes e emoções,
individuais ou coletivos, também pudessem ser frutos de escolhas racionais (ou
não) parece-me um tropeço da mesma razão com que fabricaste teus ensinamentos,
haja vista que todos esses ingredientes já nascem, às estranhezas inexplicáveis
por qualquer metafísica que se propaguem, influenciando-se reciprocamente na
mente neandertal e, como consequência atingindo frontalmente o livre arbítrio e
o poder de escolha por ti, e por tantos outros, propagado.
...)
Resgatando
a causa primária e principal de meu texto, assim é que, se há desejos de
quaisquer tipo, criamo-los para nossos orgasmos denotativos ou conotativos; se
há sonhos, criamo-los para nossos anseios inexequíveis; se há pedras,
criamo-las pra nossos tropeços; se há deuses, criamo-los para nos servirem; se
há paraísos, criamo-los para nos abrigarem; se há infernos, criamo-los para nos
temamos a nós mesmos; se há o bem e o mal, criamo-los para fragmentarmos nossos
cernes; e tenha havido, haja ou venha a haver seja o que for, criamo-los ou
criados serão para nos servir, inalienavelmente, de alguma forma.
Dessa
forma, se a tudo inauguramos ou reinauguramos de nossas evoluções abnormais,
como se daria o livre arbítrio e o poder de escolha, com todas as suas
consequências cernientes e universais, sem as faustas gêneses que de nós
emergem incautamente?
Viste que
foi o teu teatro, como o meu, feito da mesma infinidade espúria que povoa todos
nossos coirmãos sapiens?
Vou até
ousar dizer, meu caro Sartre, que o que fazemos é embalsamar o Cosmo e suas
possibilidades com as luzes de nossos faróis, sob as quais tudo agora nos é
possível pelo poder que apregoaste – corrijo: pelo poder que se nos é, a partir
da singularidade nascida, pois tu apenas falaste de sobre a ponte da existência
que, como tudo, foi também fabricada por nós –; mas também devo salientar que o
apagamento coabita, concomitantemente, com os faustos lumes de nossas vesanias.
Tomando-me
lembrança de um poema de Fernando Pessoa, diria que as noites não se sabem
noites, as pedras não se sabem pedras e o Universo não se sabe Universo; mas
assim nos são tão somente por advirem de nossas ideias de que assim sejam. Sem
nós, continuam noites, pedras e Universo, alheios a nossas (re)configurações
imaginatórias.
É como
estarmos sobre a grande ponte com o olhar de medusa, carregando nas mãos um
pente para aparar os alísios das infinitudes que abarcamos.
E para
provar que o livre arbítrio e o poder de escolha se confinam ao estudo de um
“ser” que já nasce singularizadamente aprisionado em suas próprias imensidões,
meu caro Sartre, vou fazer-te uma pergunta final que jamais poderás responder,
por estares agora entre as mesmas coisas, as mesmas possibilidades e as mesmas
imensidades em que outrora povoaste com tua mente; porém sem delas ter a ideia
de que mais possam lhe ser ou lhe existir:
Em que
realidade regozijaste teus ensinamentos, meu caro Sartre?
P.S.
Porque toda imensidade brotada do abnormal se condena dentro da barreira (sua
própria mente) que nele se ilimita. Fora dela: as coisas existem concretamente
no apagamento alheio.
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